sexta-feira, maio 15

Câncer: pacientes têm direito a benefícios legais

Ao receber de seu médico o diagnóstico de câncer, a vida do paciente começa a sofrer diversas transformações: o tratamento pode envolver sessões de químio e radioterapia, que frequentemente têm efeitos colaterais debilitantes, como náuseas, fadiga, perda de apetite, inflamações na pele e na boca e perda de cabelo. Mas essas não são as únicas transformações. A vida de um paciente com câncer também é alterada no plano legal: ela adquire alguns direitos especiais junto a órgãos públicos e até em situações como quitação de financiamentos e compra de veículos.
A professora Eliana Pereira de Camargo descobriu em 2005 que tinha um câncer de mama. De seu oncologista, além das recomendações a respeito do tratamento, ela recebeu uma cartilha com os direitos do paciente com a doença. Curada, ela acredita agora que a qualidade do tratamento não teria sido a mesma caso não tivesse lido com atenção a cartilha. No documento, ela descobriu, por exemplo, que poderia sacar seu saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e ainda o dinheiro do PIS/Pasep. Boa parte da soma foi utilizada para custear gastos com remédios e sessões de radioterapia. "O FGTS foi o que mais me ajudou. Com a doença, surgem também gastos mensais que estouram o orçamento", lembra.
Poucos pacientes conhecem seus direitos. Foi o que descobriu a advogada pernambucana Antonieta Barbosa, que enfrentou a doença em 1998 e logo passou a se informar sobre o que dizia a legislação a respeito dos pacientes com câncer. A advogada descobriu, por exemplo, que pagava indevidamente o financiamento de sua casa, pois tinha direito a pedir à Caixa Econômica Federal a quitação do imóvel. O resultado de suas batalhas no mundo jurídico estão reunidas no livro Câncer: Direito e Cidadania, um dos principais guias para os pacientes da doença.
Casa e carro - Há casos emblemáticos de desconhecimento e desrespeito à legislação. Um deles é o direito ao saque do FGTS. "Muitas pessoas acreditam que ele só pode ser feito por pessoas em estágio terminal. Não é verdade: assim que recebe o diagnóstico, o paciente já pode ir à Caixa sacar o dinheiro", explica Antonieta. Outro é o caso de pessoas que tentam financiar imóveis: o empréstimo muitas vezes é negado por causa do histórico de câncer. "Isso é ilegal", alerta a advogada.
Outros benefícios tentam atender a necessidades preementes de pessoas que lutam contra o mal. É o caso da redução de impostos para a compra de carros novos com direção hidráulica. Mesmo curada, Eliana perdeu parte da força no braço em razão de esvaziamento das glândulas axilares durante a cirurgia para retirada do tumor. Por isso, para ela dirigir se tornou uma atividade bastante dolorida. Daí, a importância da isenção.
"A licença remunerada do trabalho, o dinheiro do FGTS, meu carro novo e a possibilidade de conseguir alguns remédios de graça foram prerrogativas que me possibilitaram enfrentar a doença e suas conseqüências com mais conforto e qualidade de vida", revela Eliana. Para fazer valer o direito, a advogada Antonieta Barbosa aconselha: "É preciso que os pacientes sejam informados sobre seus direitos e que se lembrem sempre de guardar documentos como laudo médico, contrato de seguro e extratos do FGTS: assim fica mais fácil conseguir os benefícios e enfrentar o tratamento com mais dignidade".


29% das pesquisas sobre câncer têm conflito de interesse

Quase um terço dos estudos sobre câncer publicados nos principais periódicos do mundo apresentam conflitos de interesse, segundo uma pesquisa publicada nesta semana na edição on-line do "Cancer". Foram avaliados 1.534 artigos divulgados em revistas como "New England Journal of Medicine", "Jama" e "Lancet" em 2006.

Desses trabalhos, 17% eram patrocinados por indústrias farmacêuticas e 12% tinham um funcionário entre os autores --e traziam mais resultados positivos. Estima-se que no Brasil os números sejam maiores porque os estudos clínicos são bancados pela indústria.

Para Reshma Jagsi, autora da pesquisa e professora de radio-oncologia da Universidade de Michigan (EUA), declarar os conflitos não é suficiente. Ela acredita que os pesquisadores vão, consciente ou inconscientemente, enviesar as análises.

No Brasil, estudos clínicos devem ser patrocinados pelo contratante --normalmente a indústria interessada no desenvolvimento da droga, diz o pesquisador Ricardo Bretani, presidente da Fundação Antônio Prudente (mantenedora do hospital A.C. Camargo) e do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp.

Hoje, os estudos em câncer são focados no desenvolvimento de novas drogas e, por isso, é uma das áreas que apresentam estudos patrocinados.

Para o oncologista Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer Octavio Frias de Oliveira, os conflitos não implicam necessariamente uma pesquisa tendenciosa.

Para que os trabalhos sejam publicados em periódicos renomados, é preciso que passem pela revisão por pares --quando o estudo é avaliado por outros especialistas isentos.

Para evitar comprometimento prejudicial, os contratos de pesquisa devem contar com uma cláusula que prevê a publicação dos resultados mesmo que sejam negativos. O pesquisador também deve deixar claro o tipo de conflito existente na pesquisa. "O conflito só é aceitável dentro de alguns limites. Receber dinheiro para pesquisa é aceitável, mas ganhar uma viagem internacional com a família, não", compara Hoff.

Para Jagsi, é preciso pressionar as instituições públicas para aumentar os fundos para estudos na área médica. "Pesquisadores teriam mais alternativas, e a pesquisa poderia ser desatada, ao menos em alguns aspectos, dos nós da indústria", disse à Folha.

JULLIANE SILVEIRA
da Folha de S.Paulo